Você pode se sentir inadequado, pensando que cometeu erros, que pareceu muito tímido ou um pouco arrogante, que deveria ter falado mais ou menos, que não deu a resposta esperada na dinâmica de grupo … Mas, será que o problema está aí?
Bom, você também pode pensar que a empresa não está preparada para te contratar ou que ela ganharia mais abrindo espaço para uma diversidade maior de perfis. Então, a dificuldade está na empresa?
Essas justificativas fazem você se sentir melhor?
Talvez, passado alguns dias, essas perguntas se diluam no cotidiano e você volte a buscar uma nova oportunidade. Afinal, trabalhamos porque queremos viver bem, cuidar de nossa família e investir em projetos futuros. Em resumo, a maior parte de nós precisa trabalhar, seja em algo que realmente gostamos ou em qualquer atividade que nos garanta a sobrevivência.
Outro aspecto que nos aproxima é que, independente de estarmos fazendo o que amamos ou não, a grande maioria das pessoas deseja ter mais tempo para outras coisas, como namorar, estar com a família e amigos, acompanhar o crescimento dos filhos, conhecer lugares e culturas diferentes. Enfim, as possibilidades são infinitas .
Mas, se de fato isso tudo é realmente comum, não é estranho que vivamos na condição em que o trabalho – a ação genuinamente humana de mudar o mundo – se torne cada vez mais barato, substituível e, às vezes, até descartável?
Não é esquisito que, em um mundo com tantas riquezas e oportunidades, ainda assim podemos nos sentir sem lugar, rejeitados, assolados pelo medo de não conseguir pagar a prestação da casa, o convênio médico, a escola dos filhos e, em situações extremas, viver o risco real de não conseguir garantir nem mesmo as contas de água, luz e a compra de alimentos?
Fica ainda mais estranho se considerarmos que, mesmo estudando ou aprendendo uma nova atividade na prática, buscando informações na internet, com conhecidos e familiares, ainda assim nos sentimos culpados quando não conseguimos aquela vaga, pensando que há algo de errado conosco ou que não somos suficientemente competentes.
A psicoterapia não garante que você conseguirá se recolocar no mercado de trabalho, nem deve se comprometer em corrigir seu comportamento para que se torne mais competitivo. Por tudo o que discutimos até aqui, essa conduta poderia ser antiética.
Mas afinal, para que serve a terapia em uma situação dessas? Se considerarmos o valor da vida sob a perspectiva do mercado, talvez a terapia não sirva para nada. Vivemos em um tempo que nossa vida se tornou nada. Gastamos nossa vida em empregos que não transformam o mundo, nem a nós. Repetimos, incessantemente, determinados comportamentos sem refletir sobre eles, apenas desejando que o dia acabe logo.
Quanto tempo de vida gastamos em atividades exaustivas como atendimento ao cliente, trabalho em fábrica, limpeza e outras? Mesmo as profissões que exigem qualificação, quantos médicos trabalham horas seguidas, privados de sono e sob pressão para diminuir o tempo da consulta, encaminhando pacientes para numerosos exames e dispensando-os sem nem olhá-los? E os professores que se angustiam ao imaginar o retorno às aulas, com salas repletas de adolescentes que não foram alfabetizados adequadamente?
Seja no desamparo vivido na situação de desemprego ou no estresse e na frustração experimentada em algumas circunstancias e atividades, não é possível fechar a porta de casa e deixar tudo do lado de fora, pois não há fora e dentro. É insustentável supor que essas vivências não afetam nossas relações, das mais íntimas às mais triviais. Todas as nossas vivências ressoam no nosso modo de estar no mundo, como quando descontamos nossa raiva em outras pessoas, no copo de cerveja e no cigarro que consumimos para nos distanciar dos problemas, na culpa que sentimos ao não ter tempo e disposição para dar atenção aos filhos, na impaciência e intolerância com vizinhos e no trânsito, na vida sexual e afetiva com o parceiro, na fissura por doce, na falta de apetite, na insônia.
Por outro lado, não temos como fugir da responsabilidade de tocar a vida, mesmo nas circunstâncias adversas e em um sistema produtivo predatório. Nesse sentido, a psicoterapia não deve se propor a docilizar os gestos e domesticar os corpos para que nos tornemos mais aptos ao mercado de trabalho. Tão pouco dá explicações para nossos comportamentos de maneira geral, pois é diferente de algumas áreas da ciência e das humanidades, que tratam as questões relativas ao todo e a ninguém, em específico.
Sobretudo, a psicoterapia pode ajudar a compreender nossas dificuldades e sofrimentos a partir do que vivemos aqui, agora, sendo nós mesmos e ocupando lugares específicos. Não é o mundo que nos enlouquece, nem somos nós que estamos quebrados e olhamos o mundo dessa perspectiva. Não há um “nós” e um “mundo”, nunca estamos fora do mundo. Nos constituímos na relação com as coisas e por isso vamos mudando ao longo da vida, fazendo escolhas incessantemente e dando sentido a tudo que nos acontece.